Código de referência: PT/CMVDG/PCICVDG
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Âmbito e conteúdo: A definição do conceito de património cultural imaterial não é original ou completamente inovadora, ela exprime uma redefinição de terminologias que, por exemplo em Portugal, são trabalhadas há mais de um século no âmbito da Etnografia e da Antropologia - o "tradicional", o "popular", o "folclore", ou seja, o estudo das "culturas populares e tradicionais".
Foi através da Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do PCI (2003,ratificada em Portugal em 2008) que a categoria "património cultural imaterial" se instituiu no contexto internacional.
O PCI são "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões - bem como os instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados - que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural.
Esse património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse modo, para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana" (DR, 2008a, n.º 1 do art.º 2.º).
Como domínios do PCI a Convenção define:
"a) As tradições e expressões orais, incluindo a língua como vetor do património cultural imaterial;
b) As artes do espetáculo;
c) Práticas sociais, rituais e eventos festivos;
d) O conhecimento e as práticas relacionadas com a natureza e o universo;
e) Aptidões ligadas ao artesanato tradicional" (DR, 2008a, n.º2 do art.º 2.º) 7.
Em Portugal, quando a Convenção foi ratificada em 2008 e depois da inscrição do Fado na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2011, a importância do protagonismo dos atores sociais locais e dos "detentores" legítimos nos processos de patrimonialização da cultura imaterial só foi modestamente compreendida entre a sociedade civil. Ainda hoje quando se fala em PCI a primeira ideia que ocorre é a de identificar uma expressão cultural para a inscrever nas Listas Mundiais e não a identificação, valorização, estudo e salvaguarda intensiva/extensiva do património cultural imaterial local/nacional a partir dos atores sociais locais.
Consideramos que mais importante do que evidenciar e reconhecer algumas expressões como património cultural imaterial da Humanidade, a real valorização e salvaguarda do PCI passa pela ação local e inventariação de todas as manifestações que as comunidades consideram como património.
A comunidade e os seus representantes (administração local e grupos/associações locais) junto com profissionais do património e da cultura e com a colaboração da academia podem/devem atuar localmente e promover o estudo, a salvaguarda e divulgação do PCI (Isnart, 2013).
Tal como cada município tem inventariados e salvaguardados monumentos, património material e património natural o mesmo deve acontecer com o PCI. Estamos a falar de patrimónios distintos, com características diferentes mas que se complementam.
Só será possível desenvolver um trabalho sério de inventariação a partir do local, sendo que essa ação desenvolve o sentido comunitário, valoriza a diversidade cultural e, no atual contexto da sociedade global e da homogeneização, defende o autoconhecimento e a cultura local.
Os deveres de salvaguarda são assim considerados à luz dos direitos de liberdade dos praticantes e transmissores do PCI. Nesses termos, os mesmos poderão recusar o processo de patrimonialização e, em última instância, torna-se legítima a extinção de uma manifestação "por vontade dos seus praticantes ou na falta de consentimento para a respetiva salvaguarda" (Claro, 2009: 151).
As comunidades são as verdadeiras guardiãs do PCI e muitas expressões culturais portuguesas passaram de geração em geração ao longo de dezenas ou centenas de anos independentemente de existirem ou não políticas de salvaguarda. A transmissão do conhecimento é uma ação que as comunidades decidem manter ou extinguir, e quando a mantêm revestem-na daquilo que consideram ser a tradição, o simbólico, mas também a mudança, a hibridez e a adaptação a novos contextos e novos protagonistas. Ou seja, a última palavra e a decisão sobre o que é e como deve ser valorizado e salvaguardado o património cultural imaterial pertence às comunidades locais.
É também nesta perspetiva que se define, na Convenção Quadro do Conselho da Europa para o Património Cultural, conhecida pela Convenção de Faro (2005,ratificada em Portugal em 2008), o conceito de "comunidade patrimonial": uma comunidade que é "(…) composta por pessoas que valorizam determinados aspetos do património cultural que desejam, através da iniciativa pública, manter e transmitir às gerações futuras" (DR, 2008b, alínea b) do art.º 2.º).